domingo, 2 de fevereiro de 2014

SOCIOLOGIA: Florestan Fernandes.

"Na sala de aula, o professor precisa ser um cidado e um ser humano rebelde"
Florestan Fernandes





Florestan Fernandes o fundador da sociologia crtica no Brasil. Depois de Caio Prado Jnior, que traz o marxismo para o pensamento sociolgico no Brasil, Florestan far uma reviso dos temas mais importantes da sociologia sob uma tica materialista. A questo racial, a escravido, passa agora em sua obra a ser analisada do ponto de vista econmico e dos conflitos entre classes sociais. A temtica cultural, apaziguadora dos conflitos cede espao para uma viso da explorao econmica do escravo, dando novas interpretaes para as desigualdades sociais.


A anlise dos problemas das desigualdades sociais agora entram no campo econmico. A educao passa a ser vista como instrumento de formao do cidado apenas, mas, sobretudo, como caminho para ascenso econmica.

Isto ocorre tambm do ponto de vista poltico, tocando no espinhoso tema das revolues, ou golpes ocorridos no pas. Tais mudanas polticas surgem agora como consequncias de intenes econmicas que inserem o Brasil num plano econmico global. Neste cenrio, alm do conflito entre os blocos capitalista e socialista, o Brasil se encontra no campo do domnio do imperialismo econmico norte-americano.

Como o italiano Antonio Gramsci (1891-1937), Florestan militava em favor do socialismo e no separava o trabalho terico de suas convices ideolgicas. Ainda que com abordagens diferentes, ambos acreditavam que a educao e a cincia tm, potencialmente, uma grande capacidade transformadora. Por isso, deveriam ser instrumentos de elevao cultural e desenvolvimento social das camadas mais pobres da populao. "Um povo educado no aceitaria as condies de misria e desemprego como as que temos", disse ele em entrevista a NOVA ESCOLA em 1991. "A escola de qualidade, para Florestan, no era redentora da humanidade, mas um instrumento fundamental para a emancipao dos trabalhadores", diz Ana Heckert, docente da Universidade Federal do Esprito Santo.

Florestan tomou para si a tarefa de romper com a tradio de pseudoneutralidade das cincias humanas e reconstruir uma anlise do Brasil abertamente comprometida com a mudana social. Segundo sua anlise, uma classe burguesa controlava os mecanismos sociais no Brasil, como acontecia em quase todos os pases do Ocidente. No entanto - por causa de fatores histricos como a escravido tardia, a herana colonial e a dependncia em relao ao capital externo - a burguesia brasileira era mais resistente a mudanas sociais do que as classes dominantes dos pases desenvolvidos.

Revoluo incompleta

Segundo Florestan, a revoluo burguesa, cujo exemplo emblemtico a de 1789 na Frana, no teria se completado no Brasil. Enquanto os revolucionrios franceses do sculo 18 exigiam ensino pblico e universal, as elites brasileiras do sculo 20 ainda queriam controlar a educao para manter a maioria da populao culturalmente alienada e afastada das decises polticas. Por isso, uma das principais lutas de Florestan foi pela manuteno e pela ampliao do ensino pblico. "Ele acreditava que o sucateamento da escola, com pssimas condies de trabalho e estudo, fazia parte das tentativas de sufocar a democratizao da sociedade por meio da restrio do acesso cultural e pesquisa", diz a pesquisadora Ana Heckert.

O Brasil, dizia o socilogo, era atrasado tambm em relao ao que ele chamava de cultura cvica, ou seja, um compromisso em torno do mnimo interesse comum. Para Florestan, no havia tal cultura no Brasil por dois motivos: ela estimularia as massas populares a participar politicamente e ao mesmo tempo tiraria das classes dominantes a prerrogativa de fazer tudo o que quisessem sem precisar dar satisfaes ao conjunto da populao.

Florestan bateu-se tambm pela democratizao do ensino, entendendo a democracia como liberdade de educar e direito irrestrito de estudar. Em seus dois mandatos de deputado federal, nos anos 1980 e 1990, o socilogo esteve envolvido em todos os debates mais importantes que ocorreram no Congresso no campo da educao. Participou ativamente da discusso, elaborao e trmite da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), que s seria aprovada em 1996, um ano depois de sua morte.

Florestan defendia propostas mais radicais do que as que acabaram includas na lei aprovada, cujo mentor foi o antroplogo e senador Darcy Ribeiro (1922-1997). O socilogo propunha que a lei inclusse o princpio de escola nica, que abrangesse Educao Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Mdio, conjugada com educao profissional, e possibilitasse uma escolaridade maior aos setores carentes da populao. Florestan tambm pretendia, como meio de dar autonomia s escolas, que os diretores fossem eleitos por professores, pais e alunos. Ele queria ainda incluir na LDB um piso salarial para os professores.

Contra o autoritarismo

No eram s as condies estruturais do sistema educacional que atraiam a ateno rigorosa do cientista social. No intervalo democrtico entre 1945 e 1964 no Brasil, Florestan notou que a educao havia ganho papel crucial na busca "do equilbrio e da paz social", mas isso se devia a conquistas sociais e no a politicas dos governos, que, segundo ele, continuavam no investindo em educao pblica. Alm da destinao de verbas, o passo mais urgente ento seria integrar as escolas para que sua funo progressista se multiplicasse e ganhasse solidez. Ao lado do trabalho propriamente didtico, as escolas deveriam formar "um sistema comunitrio de instituies sociais".

Ele tambm se preocupou em criticar a prtica em sala de aula, com nfase em trs pontos: a concepo do professor como mero transmissor do saber, que, para ele, fragilizava o profissional da educao; a ideia de que o aluno apenas receptor do conhecimento, quando o aprendizado deveria ser construdo conjuntamente na escola; e o ensino discriminatrio, que trata o aluno pobre como cidado de segunda classe. "Para Florestan Fernandes, a educao transformadora se faz com uma escola capaz de se desfazer, por si mesma, do autoritarismo, da hierarquizao e das praticas de servido", diz Ana Heckert.

A briga politica pela escola pblica

Muitos intelectuais participaram, nas dcadas de 1940 e 1950, da Campanha em Defesa da Escola Pblica, que teve origem nas discusses para a aprovao da primeira LDB. Nenhum foi mais ativo do que Florestan Fernandes. De incio, o tema principal do debate era a centralizao ou descentralizao do ensino. A polmica seguiu acirrada at que, em seu ponto mximo de tenso, o deputado Carlos Lacerda apresentou no Congresso um substitutivo para atender aos interesses das escolas particulares e das instituies religiosas de ensino, que pretendiam ganhar o direito a embolsar verbas do Estado. Florestan publicou nessa poca vrios escritos em que combatia as parnteses da escola privada e tambm desenvolvia suas ideias sobre a necessidade de democratizar o ensino. O substitutivo de Lacerda acabou sendo aprovado. Mas, no longo prazo, quem ganhou foi Florestan - suas ideias so, hoje, praticamente consenso entre os dirigentes da educao pblica.

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