quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Treco filosófico: Heráclito de Éfeso.





O FOGO ETERNAMENTE VIVO

"Este mundo, que é o mesmo para todos, nenhum dos deuses ou dos homens o fez; mas foi sempre, é e será um fogo eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida" — nessa frase muitos vêem uma das chaves para a decifração do pensamento de Heráclito de Efeso, que já na Antigüidade tornou-se conhecido como "o Obscuro".
De sua vida muito pouco se sabe com certeza. Nascido em Efeso, colônia grega da Ásia Menor, teria "florescido" (o que parece, significava para os gregos atingir o auge de sua produtividade) por ocasião da 69a Olimpíada (504/3-501 a.C). Pertencia à família real de sua cidade e conta-se que teria renunciado à dignidade de se tornar rei em favor de seu irmão. A obra que deixou está constituída por uma série de frases isoladas, durante muito tempo consideradas como fragmentos de um suposto texto original; posteriormente, a crítica filosófica reconheceu que se tratava, na verdade, de aforismos. Modernamente, a seqüência desses aforismos é apresentada segundo duas numerações: ou a inglesa, devida a Bywater, ou a alemã, de Diels (o que justifica a letra B ou D que aparece comumente junto ao número do aforismo).
A apresentação aforismática de seu pensamento e o estilo intencionalmente sibiliano fazem de Heráclito um dos pensadores pré-socráticos de mais difícil interpretação. Natural, portanto, que a história da filosofia apresente uma sucessão de versões de seu pensamento dependentes sempre da perspectiva assumida pelo próprio intérprete.
Para a solução do "problema heraclítico" dois pontos parecem oferecer bases mais seguras: a) o confronto das proposições  de Heráclito com seu contexto cultural (o que o próprio filósofo parece indicar, na medida em que se apresenta como crítico implacável de idéias e personagens de sua época ou da tradição cultural grega); b) o estilo de Heráclito, a revelar um uso peculiar da linguagem.
Se há aforismos de Heráclito que não manifestam obscuridade são justamente os de cunho crítico. Aristocrata, Heráclito não afirma apenas que "um só é dez mil para mim, se é o melhor" (D 49), como também faz acerbas acusações à mentalidade vulgar desses homens que "não sabem o que fazem quando estão despertos, do mesmo modo que esquecem o que fazem durante o sono" (D 1). A religiosidade popular é também vergastada: "Os mistérios praticados entre os homens são mistérios profanos" (D 14 b). E explica: "E em vão que eles se purificam sujando-se de sangue, como um homem que tivesse andado na lama e quisesse lavar os pés na lama..."  (D 68/5). Mas nem alguns dos nomes mais reverenciados na época são poupados: "O fato de aprender muitas coisas não instrui a inteligência; do contrário teria instruído Hesíodo e Pitágoras, do mesmo modo que Xenófanes e Hecateu" (D 40). Noutro aforismo Pitágoras é acusado de possuir uma polimatia  (conhecimento de muitas coisas) que não passava de uma "arte de maldade" (D 129), enquanto Hesíodo, "o mestre da maioria dos homens, os homens pensam que ele sabia muitas coisas, ele que não conhecia o dia ou a noite" (D 57). Nem Homero escapa: "Homero errou em dizer: 'Possa a discórdia se extinguir entre os deuses e os homens!' Ele não via que suplicava pela destruição do universo;  porque, se sua prece fosse atendida, todas as coisas pereceriam..." (D 12 a 22).

Obras incompletas. São Paulo: Nova Cultural. 1999.pp 28 - 30. (Os pensadores)

MetalliCabra

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013